
Meu pai estava doente havia meses. Horas depois do seu falecimento, um vizinho, a me ver triste, aproximou-se e disse “não fique assim, menino...enquanto há vida, há esperança”. Retruquei docemente dizendo que meu pai já havia falecido naquela manhã. Ele: “Deus sabe o que faz, foi melhor assim, ele estava sofrendo, descansou, o céu está feliz agora, ele não quer te ver triste, você tem que cuidar da sua mãe, a vida continua, meus pêsames, parece que ele está sorrindo no caixão, ele foi um grande homem, se precisar de alguma coisa...”. Olhei pro meu vizinho e pedi que ele repetisse tudo aquilo pra eu anotar num caderninho todas aquelas falas que certamente eu ia precisar repetir futuramente, pra pessoas nessa situação. Aproveitei e lhe dei um folheto de um curso de teatro. Pois achei que ele podia melhorar um pouco as intenções do personagem daquela fala. Acho que ele esqueceu que a parte do texto que falava do meu pai sorrindo no caixão, só podia ter sido dita na cena do velório. Enfim, ele não decorou bem as falas e ensaiou muito pouco.
Sem dúvida, meu vizinho é um sábio popular, sabe dizer quase que ensaiado tudo o que uma pessoa “de bem” deve dizer numa hora dessas. E seu discurso pode mudar de um segundo pro outro, como foi o caso. Essa é a sabedoria que emana do povo.
As pessoas sempre tiram da manga um conselho sábio e bem oportuno pra manter os desanimados, esperançosos ou enxugar o leite derramado dos estabanados que esbarraram no copo. O problema é que na maioria das vezes os conselhos e consolos são superficiais demais.
A rota de vôo de nossas vidas deve ser planejada por nós mesmo, mas a sabedoria popular nos conduz ao senso comum, nos estagnando e nos transformando em marionetes existenciais. A sabedoria popular deseja que você DEXISTA. Existir é uma afronta ao modelo social vigente. Insista, exista, mesmo solitário. Pois antes só do que mal acompanhado.